Corinthians: antes de votação de impeachment, Melo pede habeas corpus
Segundo a defesa do presidente do Corinthians, o inquérito policial que indiciou Augusto Melo teve motivação política e não tem provas
atualizado
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A defesa de Augusto Melo, presidente do Corinthians, pediu, na tarde desta segunda-feira (26/5), habeas corpus para anular o indiciamento dele feito pela Polícia Civil na última quinta-feira (22). A movimentação dos advogados aconteceu horas antes da votação do impeachment do atual mandatário do clube da zona leste de São Paulo.
O relatório policial detalha envolvimento do presidente do Corinthians em um suposto desvio de dinheiro na negociação de patrocínio entre o clube e a empresa de apostas Vai de Bet. Melo foi indiciado pelos crimes de associação criminosa, furto qualificado e lavagem de dinheiro.
Segundo o documento obtido pelo Metrópoles, a defesa acredita que o inquérito policial teve motivação política. Além disso, cita possível influência do presidente do Conselho Deliberativo do clube, Romeu Tuma Júnior, na conduta policial, visto o ado do dirigente na corporação como ex-delegado de polícia.
“Diante disso, o indiciamento, quando destituído de justa causa ou motivado por razões alheias ao interesse público, como a conveniência política ou a tentativa de enfraquecimento institucional do paciente, revela-se ato ilegal e abusivo, devendo ser declarado nulo com fulcro na jurisprudência consolidada e nos princípios constitucionais que regem o processo penal democrático”, diz o documento.
A defesa diz, ainda, que o contrato de patrocínio com a Vai de Bet foi intermediado antes de Melo assumir a presidência e que ele foi o último a , com o aval dos auxiliares jurídicos do time.
Na coletiva de imprensa realizada por Melo na última sexta-feira (23/5), ele disse estar com a consciência tranquila e afirmou que não irá renunciar ao cargo de presidente do Corinthians. “Meu F está limpo”.
Votação do impeachment
Conselhos do Corinthians estão reunidos na tarde desta segunda-feira (26/5) para votar, na sede do clube, no Parque São Jorge, no bairro Tatuapé, na zona leste São Paulo, o impeachment do atual presidente do clube, Augusto Melo.
A reunião é a segunda tentativa do conselho de afastar o mandatário. Na primeira tentativa, a reunião foi suspensa após o rito de issibilidade ar por 126 votos a favor e 114 contra a votação.
Para hoje, a defesa de Melo trata a ocasião como a primeira oportunidade de “ampla defesa”, onde tentarão rebater as alegações desde a primeira matéria veiculada sobre o caso Vai de Bet na imprensa até o indiciamento da última quinta.
Caso a votação seja favorável ao afastamento do atual mandatário corintiano, uma segunda votação será feita com todo o quadro associativo do clube. Apesar do contexto conturbado e do indiciamento, o presidente deixou claro que não irá renunciar ao cargo.
Gaviões pede o afastamento
A Gaviões da Fiel, principal torcida organizada do Corinthians, publicou na última sexta uma nota em que pede o afastamento de Melo da presidência do clube.
Segundo o posicionamento da agremiação, a medida se faz necessária “para preservar a imagem do Corinthians”. A atual posição da Gaviões da Fiel mudou em relação à primeira votação do impeachment, quando a torcida defendeu Augusto Melo com gritos de “não vai ter golpe”.
O Metrópoles apurou que o grupo não deve se mobilizar para aparecer no Parque São Jorge nesta segunda, visto que na próxima terça-feira (27/5), o clube alvinegro tem jogo na Argentina. A Gaviões deve ir nas chamadas caravanas ao país vizinho.
Apesar disso, são esperados alguns torcedores na sede do clube.
Indiciamento
Além de Augusto Melo, outras três pessoas foram indiciadas pelos crimes de associação criminosa, furto qualificado e lavagem de dinheiro: dois ex-dirigentes do Corinthians, Marcelo Mariano e Sérgio Moura; e o responsável por intermediar a negociação, Alex Cassundé.
As autoridades apontaram no relatório policial uma série de contradições nos depoimentos dos envolvidos, especialmente no relato de Cassundé sobre a suposta intermediação do contrato da Vai de Bet com o Corinthians. Segundo o inquérito, a polícia tem certeza que essa negociação não foi intermediada por Cassundé, mas sim por outras três pessoas: Antônío Pereira dos Santos (conhecido como Toninho), Sandro dos Santos Ribeiro e Washinston de Araújo e Silva.
Cassundé conta em depoimento que tudo começou quando Sérgio Moura entrou em contato com ele no final de dezembro de 2023, pedindo para que procurasse patrocínio para o time feminino do Corinthians, visto que a chapa de Augusto Melo havia vencido a eleição para a presidência do clube e precisava começar a trabalhar nas questões do ano seguinte.
O intermediário, então, pesquisou em conversas com um amigo, buscas na internet e na inteligência artificial sobre como ter contatos, visto que ele não atuava na área de intermediação. Assim, ele teve a ideia de ir atrás da Vai de Bet, empresa de apostas que não figurava em nenhum patrocínio grande envolvendo clubes de futebol. Cassundé conta que achou um telefone fixo da empresa e começou o contato com um representante, chegando a elaborar uma proposta.
A informação sobre ter achado um telefone fixo da empresa já havia surpreendido a polícia, pois as autoridades estavam procurando um contato da empresa há muito tempo e, em todo esse período, os agentes encontraram apenas um e-mail de e.
Ainda segundo a sequência do depoimento, Cassundé então avisa Sérgio sobre o possível patrocínio. Sérgio, por sua vez, pede para que o homem fosse ao Parque São Jorge conversar sobre o assunto com Marcelo Mariano. A polícia diz que a história muda de versão a cada depoimento. Em um deles, os três (Marcelo, Sergio e Cassundé) estavam nesse encontro. Já em outros somente, dois dos três homens e, na versão de Augusto, o mandatário também estava presente: “Augusto se colocou no episódio”.
Apesar das diversas versões desse suposto encontro, a polícia acredita que Cassundé nunca esteve no Parque São Jorge durante o final de 2023. Para os investigadores, todos os depoimentos foram mentirosos. A conclusão das investigações possível a partir dos sinais do GPS do celular do indiciado no período.
Além das contradições neste primeiro encontro, as investigações também apontam algumas incongruências na cronologia da negociação e nas datas de eventos importantes, como as da do contrato. Neste aspecto, Augusto Melo afirmou na coletiva da última sexta que foi o último a o documento que firmava o patrocínio e só o fez a partir da aprovação dos seus auxiliares jurídicos.
Os verdadeiros intermediadores
A Polícia Civil ouviu em depoimento os três apontados como os verdadeiros intermediadores. A versão trabalhada como a mais provável na intermediação do contrato entre Vai de Bet e Corinthians começa quando Toninho recebeu a missão de um dos diretores da empresa de apostas de conseguir contato com o clube alvinegro.
Ele então entrou em contato com o amigo Washington, esse sim com contatos dentro do clube. Uma reunião foi marcada no final de dezembro de 2023, época em que o contrato foi firmado. Sandro Ribeiro também participou dessa negociação.
Apesar da participação dos três, na hora de fechar contrato, Toninho disse que foi ado para trás pelo Corinthians. O clube afirmou que já havia cadastrado uma empresa para intermediar essa negociação. A empresa era a Rede Social Media Design. O dono? André Cassundé.
“Note-se que, com isso, o inquérito aparentava desvendar o porquê a versão especialmente de Alex [Cassundé] havia sido tão desconexa da realidade. Simples, não fora ele o intermediário”, diz o relatório policial
Na coletiva de imprensa realizada na sexta-feira (23/5), Augusto Melo negou saber da atuação de intermediários no contrato. Ele explicou que ouviu falar do Alex Cassundé – peça central no relatório policial e apontado como um dos pivôs do esquema criminoso – pela primeira vez ao usar um estúdio da agência dele para gravar com alguns influenciadores de blogs segmentados.
Na negociação com a Vai de Bet, contou que conversou com Marcelo Mariano – outro indiciado no esquema – no final de dezembro de 2023, nas alamedas do Parque São Jorge, visto que, por não estar empossado, não tinha uma sala fixa ainda. Nesta conversa, Marcelo falou de Cassundé e sobre um encontro com o presidente da empresa de apostas, que estaria em São Paulo naquela época.
A partir deste momento, Augusto afirmou que deixou a negociação sobre a responsabilidade de Marcelo e só ficou sabendo de outro intermediário depois. O contrato foi assinado no início de janeiro.
Transferência para o PCC
Um relatório da Polícia Civil anterior já havia indicado que parte da comissão paga pelo Corinthians à empresa que intermediou o patrocínio da Vai de Bet, no valor de R$ 1.074.150, foi transferida para a conta bancária de uma empresa ligada ao Primeiro Comando da Capital (PCC).
Após uma sequência de operações, a investigação identificou que o dinheiro recebido pela intermediadora foi parar nas contas da empresa UJ Football Talent, apontada pela investigação como um dos braços do PCC no futebol. Cassundé nega conhecimento dessas movimentações.
A relação da empresa com a facção foi descrita em delação premiada de Antonio Vinícius Gritzbach, que foi assassinado a tiros no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, em novembro ado. Segundo o delator, o empresário de futebol Danilo Lima de Oliveira, conhecido como Tripa, tem participação na UJ Football Talent — ele é tratado pela polícia como suspeito de lavar dinheiro do PCC.
De acordo com o inquérito, o Corinthians foi a vítima de um esquema que desviou dinheiro do clube.
“Parece-nos nítido, destarte, que aqueles que deram causa ao desvio de dinheiro dos cofres do Sport Club Corinthians Paulista se utilizaram das tradicionais estratégias de lavagem de dinheiro para, não só introduzir os valores no sistema financeiro e distanciar o capital ilícito da sua origem, visando, assim, evitar uma associação direta com a infração antecedente” escreveu o delegado Tiago Correia, responsável pelo caso.
Agora com o indiciamento dos envolvidos, a polícia acredita que o dinheiro foi reado à UJ Football Talent “possivelmente para fazer frente a contraprestações e compromissos pendentes da direção [do clube]”.
“Não se trata de coincidência, muito menos de mero acaso, o dinheiro ter saído das contas de um renomado clube brasileiro para ser abocanhado por uma afamada agência de assessoria esportiva”.
À época do relatório policial, o Corinthians se manifestou em nota oficial. “O Sport Club Corinthians Paulista informa que, até o momento, não há qualquer demonstração de autoria relacionada aos fatos mencionados. O presidente do clube reafirma seu total apoio às investigações em andamento, bem como a todas as iniciativas que visem apurar eventuais envolvimentos do crime organizado no futebol brasileiro”, diz o texto.
O clube afirma ser vítima das movimentações investigadas e que “não possui controle sobre o que terceiros fazem com valores recebidos em decorrência de contratos firmados”.
Na época do relatório, a empresa Lion Soccer Sports, da qual Danilo Lima de Oliveira é sócio, afirma que ele “nunca integrou, sob qualquer forma, o quadro societário ou de gestão da empresa UJ Football”. O comunicado também diz que o empresário “não possui qualquer envolvimento com os fatos sob investigação, tampouco figura como parte no processo”, além de não conhecer “os elementos que compõem o referido caso”.