Documentos desmentem Fictor, nova patrocinadora do Palmeiras
Fictor tem usado forma de captação de recursos pouco transparente que foge da fiscalização da CVM
atualizado
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Documentos obtidos pela coluna contradizem a defesa da Fictor, nova patrocinadora do Palmeiras, após reportagem revelar que o grupo tem usado um modelo pouco transparente para captar recursos de investidores e escapar da fiscalização da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
A nova patrocinadora do Palmeiras estabeleceu um modelo que envolve a criação de “sociedades em conta de participação”, as chamadas Ss. Tratam-se de um tipo de empresa que pode contar com um número ilimitado de sócios, mas somente um, o “sócio ostensivo”, aparece nos registros públicos.
Em nota enviada à coluna, a Fictor negou veementemente que suas Ss funcionassem como um “modelo de captação de recursos”. Acrescentou, ainda, que não possuem “investidores”. Documentos produzidos pela própria empresa, porém, dizem o contrário.
A coluna teve o a um instrumento particular feito entre a Fictor e um investidor para aporte de montante milionário em S. Nesse documento, a primeira cláusula do contrato deixa claro qual é o objeto do acordo: “A realização de investimentos em commodities agrícolas de milho”.

Além disso, o contrato garante um retorno de 2,2% ao mês para o investidor, a título de “distribuição desproporcional e antecipada”. Isso representa uma rentabilidade anual de 26,4%, considerada algo fora do comum. É quase o dobro da taxa Selic, que está hoje em 14,75%, maior patamar em 20 anos.

Já em uma apresentação de slides que é enviada a potenciais parceiros, a Fictor afirma que utiliza as Ss como forma de captação de recursos.
“O destaque desse modelo [Ss] é a redução significativa de riscos para o sócio participante, que não tem responsabilidade perante terceiros. Isso torna essa forma de sociedade interessante, especialmente para captação de recursos, pois apenas o sócio ostensivo assume responsabilidades legais”, diz o documento.

Por que isso é importante
As Ss são um tipo de sociedade prevista no Código Civil brasileiro.
O uso dos termos “investimento” e “captação de recursos” pela Fictor, no entanto, além da contratação de corretores para atrair o aporte de investidores, pode configurar infração à Lei 6.385/1976, que dispõe sobre o mercado de valores mobiliários. A legislação estabelece que nenhuma oferta pública de investimentos pode ser distribuída sem prévio registro na CVM.
Conforme mostrou a coluna, assessores de investimentos, que recebem bônus por clientes captados para essas Ss, vêm fazendo propaganda de investimentos na Fictor Agro pelo menos desde 2024. “Desvende a prosperidade com investimentos em S”, afirmou um assessor, numa rede social. “Desfrute de rendimentos impressionantes, alcançando até 18% ao ano”, prosseguiu.

A Fictor também já buscou prefeituras, mais especificamente institutos municipais de previdência, para que investissem nas Ss.
Em abril de 2024, por exemplo, a CVM multou em R$ 1 milhão um empreendimento imobiliário em Goiânia por justamente realizar oferta pública irregular de valor mobiliário por meio de S. No caso investigado, a S City Flamboyant captava investidores por meio de banners digitais, outdoors e corretores terceirizados.
Em seu voto, o diretor da CVM Daniel Maeda, relator do processo, destacou ainda que o contrato de constituição da S City Flamboyant “também traz evidências do caráter remuneratório do negócio, já que estabelece expressamente a forma e a proporção da divisão de rendimentos”. Trata-se de situação similar ao contrato da Fictor obtido pela coluna, que prevê uma rentabilidade de 2,2% ao mês.
“Essas disposições deixam clara a perspectiva oferecida de lucro, por parte dos investidores, com o investimento. É o mesmo que se depreende do teor dos anúncios acerca da oferta, meio pelo qual se propagava uma suposta expectativa de alta rentabilidade atrelada ao empreendimento”, assinalou Daniel Maeda.
O valor da multa aplicada à S City Flamboyant foi baseado no total captado de R$ 4,6 milhões pelo empreendimento, conforme estimativa da própria CVM.
Desde 2021, a Fictor criou 11 Ss. Somadas, elas possuem capital social de R$ 1,68 bilhão, conforme dados levantados em registros públicos da Receita Federal. Não é possível saber com precisão quanto desse valor foi aportado por investidores que injetaram dinheiro como sócios dessas Ss, com a promessa de obter retornos de dividendos livres de impostos.
No ano ado, contudo, um dos diretores do grupo afirmou que há milhares de investidores que aplicam seus recursos dessa maneira. “Nós temos relacionamento com consultores que buscam pessoas interessadas em serem participantes do nosso negócio de compra e venda de grãos. Hoje, temos cerca de 1,8 mil participantes em nossa atividade de trading”, disse Rafael Paixão, CSO e sócio da novo patrocinadora do Palmeiras, em entrevista a site do mercado financeiro.
Ele também afirmou que o valor mínimo para se investir nas Ss da Fictor Agro é de R$ 30 mil. Considerando apenas esse piso e o número de 1,8 mil participantes, os aportes ultraam facilmente R$ 54 milhões.
Fictor diz estar à disposição de autoridades competentes
Procurada, a Fictor informou que atua em estrita conformidade com a legislação vigente, especialmente no que se refere às operações conduzidas por meio de Sociedades em Conta de Participação (Ss), instrumento jurídico legítimo e regulado pelo Código Civil.
“A companhia permanece à disposição para prestar quaisquer esclarecimentos às autoridades competentes, reafirmando seu compromisso com a legalidade, a transparência entre os sócios e a integridade de suas operações”, prosseguiu a empresa, em nota à coluna.